domingo, 18 de abril de 2021

Palavras de esperança em tempos de crise

 


Levar afeto e conforto aos assistidos está no cerne da missão vicentina. Em um momento difícil pelo qual passamos, palavras de esperança são sempre bem-vindas.

Separamos algumas citações de agora e do passado, para repassarmos aos nossos assistidos e fortalecê-los, assim como a nós mesmos!

“A falha de muitos é esperar pouco”

Esperança! A falta de muitos cristãos hoje é ter pouca esperança […] São os apóstolos no barco durante a tempestade: esquecem que o Salvador está no meio deles. Nestes tempos de desunião, estamos muito felizes com tudo o que pode nos unir, e quando a maioria dos homens se dá ao trabalho de se odiar, como não tentar amar uns aos outros? Uma vez que [Nosso Senhor] está em nosso meio, o que nos resta a temer, e não estaremos bem guardados contra os perigos que nos cercam? 

Frédéric Ozanam (Carta para Prosper Dugas, 12 de julho de 1849

“Que tanto sofrimento não seja desnecessário”

Queira ao Céu que tanto sofrimento não seja desnecessário, que demos um passo rumo a uma nova forma de vida e descubramos definitivamente que precisamos uns dos outros e estamos em dívida uns com os outros, para que o homem renasça com todas as faces, todas as mãos e todas as vozes além das fronteiras que criamos! 

Papa Francisco (Fratelli Tutti, §35)

“Por um contágio de felicidade”

É nos pequenos gestos, nas pequenas atenções, nas pequenas palavras de conforto, na ludicidade, que esta virtude [da esperança] brilhará em nós […] Cristo não clamou no Gólgota:“ Meu Deus, meu Deus, por que você me abandonou? Mas é nas mãos de seu Pai que ele devolve seu espírito no momento seguinte, na cruz. Nós também, que aqueles que nos vêem ir para a cama à noite, pensemos calmamente, mesmo implicitamente: “Eles vão descansar nos braços de seu Pai Celestial!” ” Assim, por um contágio feliz, a esperança que habita em nós poderá se espalhar e se espalhar, mesmo sem que eles saibam, nos corações e mentes de nossos entes queridos? 

Jean-Michel Castaing, graduado em teologia pelo Instituto Católico de Toulouse

“A morte não é a última palavra”

Ficamos surpresos, pegos com o pé errado. Pensamos que a tecnologia moderna, a medicina, nos permitiria nunca morrer. Mas a morte espreitava, assustava-nos e não estávamos preparados. Temos que mostrar nossa confiança, porque acreditamos que Cristo ressuscitou e que a morte não é a última palavra, e temos que mostrá-la também em nossas vidas. 

Monsenho Michel Aupetit

Material inspirado em publicação da Revista Ozanam, da SSVP da França: https://www.ssvp.fr/





Fonte: SSVPBrasil










O pote rachado


 Defeito ou qualidade?

 Um carregador de água na Índia levava dois potes grandes, ambos pendurados em cada ponta de uma vara a qual ele carregava atravessada em seu pescoço. Um dos potes tinha uma rachadura, enquanto o outro era perfeito e sempre chegava cheio de água no fim da longa jornada entre o poço e a casa do chefe. O pote rachado chegava apenas pela metade. 

Foi assim por dois anos, diariamente, o carregador entregando um pote e meio de água na casa de seu chefe. Claro, o pote perfeito estava orgulhoso de suas realizações.  Porém, o pote rachado estava envergonhado de sua imperfeição, e sentindo-se miserável por ser capaz de realizar apenas a metade do que havia sido designado a fazer.  

Após perceber que por dois anos havia sido uma falha amarga, o pote falou para o homem um dia, à beira do poço:  

- Estou envergonhado, quero pedir-lhe desculpas. 

- Por quê?, perguntou o homem. - De que você está envergonhado?

- Nesses dois anos eu fui capaz de entregar apenas metade da minha carga, porque essa rachadura no meu lado faz com que a água vaze por todo o caminho da casa de seu senhor. Por causa do meu defeito, você tem que fazer todo esse trabalho, e não ganha o salário completo dos seus esforços, disse o pote. 

O homem ficou triste pela situação do velho pote, e com compaixão falou:

- Quando retornarmos para a casa do meu senhor, quero que percebas as flores ao longo do caminho.  

De fato, à medida que eles subiam a montanha, o velho pote rachado notou flores selvagens ao lado do caminho, e isto lhe deu ânimo. Mas ao fim da estrada, o pote ainda se sentia mal porque tinha vazado a metade, e de novo pediu desculpas ao homem por sua falha. Disse o homem ao pote: 

- Você notou que pelo caminho só havia flores no seu lado do caminho??? Notou ainda que a cada dia, enquanto voltávamos do poço, você as regava??? Por dois anos eu pude colher flores para ornamentar a mesa do meu senhor. Sem você ser do jeito que você é, ele não poderia ter essa beleza para dar graça à sua casa.

Autor desconhecido

segunda-feira, 8 de março de 2021

Seis curiosidades de Amélie: a MULHER de Ozanam


 

Junto à caminhada de fé e caridade do confrade Antônio Frederico Ozanam (principal fundador da SSVP) tinha uma mulher muito importante na vida dele. Amélie Ozanam foi esposa, mãe, amiga, incentivadora, enfim, uma companheira disposta a amar e cuidar da família que construiu.

Ozanam e Amélie se casaram em 1841. Eles ficaram juntos por 12 anos, até a morte do marido, em 1853. Amélia tinha na época apenas 32 anos.

Nas comemorações pelo Dia da Mulher, o site SSVPBRASIL destaca cinco curiosidades de Amélie. As informações são de estudos do confrade Mário Maríngulo, da área do Conselho Metropolitano de São Paulo, publicadas na edição janeiro/fevereiro de 2020 da revista ‘Voz de Ozanam’.

1) Amélie cuidava do único irmão que tinha. Ele era paralítico

2) O corpo de Ozanam deveria ser enterrado no Cemitério de Montparnasse (França), no entanto, Amélia não quis. Quando o marido estava vivo, mas muito doente, os dois rezavam na Capela do Carmo. Amélie teria tido uma visão, ao olhar para a Capela dos Anjos, de uma placa com os seguintes dizeres: ‘Aqui repousa Antônio Frederico Ozanam’. Com a morte do marido, a esposa conversou com muitos padres e conseguiu autorização para que o corpo do principal fundador da SSVP ficasse na Capela do Carmo.

3) Os dominicanos, que administravam a Igreja, não permitiam que mulheres adentrassem na área da cripta. Em 1885, Amélie esteve com o papa Pio IX e conseguiu dele a autorização para visitar o túmulo do marido.

4) Os frades viam Amélie segurando a filha Marie nos braços, visitando a cripta do marido diariamente, e levando-lhe flores.

5) A esposa de Ozanam também era uma mulher muito dedicada às causas sociais. Participava do Euvre des Faubourg, uma iniciativa de Aurèle Rataud, colaborador de Irmã Rosalie Rendu (Filha da Caridade – FC), obra esta que ajudava famílias carentes. Organizou a primeira coleção para o Óbulo de São Pedro, mais tarde ajudou o cardeal Laygerie em todas as funções e, por último, durante quase 30 anos, dedicou-se à Obra do Bom Pastor.

6) Amélie morreu em Écully, pequena comunidade francesa em Lyon, no dia 29 de setembro de 1894, cercada pela filha, genro e o netinho Frederico Laport.

 

Fonte: Redação do SSVPBRASIL

https://ssvpbrasil.org.br/seis-curiosidades-de-amelia-a-mulher-de-ozanam/

terça-feira, 2 de março de 2021

Transfiguração:contemplar-nos por dentro

Transfiguração:contemplar-nos por dentro

 

“E transfigurou-se diante deles” (Mc 9,2)

 

No 2º. domingo da Quaresma de cada ano,a liturgia nos convida a subir o Monte da Transfiguração para “contemplar Jesus por dentro”, para conhecer seu coração, seus desejos mais íntimos, seus dinamismos de vida... enfim, o des-velamento da sua interioridade. Ao mesmo tempo, diante de Jesus transfigurado, temos também a ocasião privilegiada para nos “olhar” por dentro e descobrir nossa verdadeira identidade.

Todos os grandes personagens bíblicos fizeram sua experiência de Montanha (lugar de intimidade com Deus; de escuta e discernimento; lugar onde receberam uma “missão” e foram abençoados). Do alto da Montanha esta bênção foi se espalhando e atingindo a todos; experiência pessoal de alcance universal.

Também Jesus, o homem dos “vales” (lugar do compromisso, serviço...) sabia reservar momentos de Montanha (comunhão e escuta do Pai); ali Ele buscava sentido e força para a sua missão.

No Monte Tabor Ele deixa “trans-parecer” seu coração; diante do olhar assombrado dos discípulos Ele “des-vela” aquilo que a visão superficial não capta: Ele é todo compaixão, bondade, acolhida, amor...

Jesus de Nazaré foi o homem que não pôs obstáculos ao Mistério para que se expressasse n’Ele; Ele foi pura transparência da Fonte originante, revelação do Rosto do Pai.

 

Transfiguração de Jesus que Marcos relata é um símbolo das muitas “experiências de transfiguração” que todos experimentamos. A vida diária tende a fazer-se rotineira, monótona, cansada, deixando-nos desa-nimados, sem forças para caminhar. Mas, eis que irrompem momentos especiais, com frequência inespera-dos, em que uma luz desperta nosso interior, e os olhos do coração nos permitem ver muito mais longe e muito mais profundo do que estávamos vendo até esse momento. A realidade é a mesma, mas aparece trans-figurada para nós, com outra figura, revelando sua dimensão interior, essa que intuíamos, mas,devido à nossa superficialidade, tínhamos esquecido. Essas experiências, verdadeiramente místicas, nos permitem renovar nossas energias e, inclusive, despertar nosso entusiasmo para continuar caminhando, na certeza de que “vimos o Invisível”.

Uma pessoa transfigurada é alguém que vê o que todo mundo vê, mas de maneira diferente; seu olhar contemplativo capta outra dimensão que se esconde aos olhares superficiais e frios.

Todos carecemos dessas experiências, para que nossa vida tenha outra inspiração, assim como os discípulos de Jesus precisaram desse momento da Transfiguração para que, num relance, tivessem a nítida certeza de que Ele era a “transparência do Pai” e eles próprios sentissem confirmados no seguimento.

Hoje, nós não podemos nos encontrar com Jesus no Tabor da Galiléia. Mas precisamos buscar nosso Taborinterior, onde brilha a luz que nos faz “diáfanos” (transparentes), onde se encontram as forças criativas que sustentarão nosso compromisso, onde ouviremos a Voz que confirmará nossa filiação: “este(a) émeu(minha) filho(a) amado(a)”.

Despojando-nos daquilo que nos desfigura, busquemos o que nos transfigura, o que mais nos humaniza e nos diviniza. É possível que, ao contemplar nosso coração, nos deparemos com muitas surpresas que jamais imaginávamos.

 

Nesse sentido, a Montanha não é lugar só do encontro íntimo com o Senhor, mas também lugar do encontro com o melhor de nós mesmos, nosso ser essencial; no silêncio do monte poderemos perceber quem somos nós. Por isso a transfiguração é também descoberta do “eu profundo”, da própria realidade pessoal, do Mistério que habita em nós. É nessa manifestação divina que “descobrimos a nós mesmos”. Começamos a descobrir o nosso ser (único, original, sagrado...) quando “mergulhamos”no misterioso relacionamento com Deus e quando permitimos que o “mistério experimentado” se torne fonte de nossa identidade.

Nossa vocação é “trans-figurar-nos”, superar nossa própria figura, ir além de nossa aparência para captar nossa originalidade e riqueza interior, nosso “eu original”.

Essa é a nossa verdadeira identidade; em certo sentido, é como se recordássemos quem somos e, ao recordar isso, iniciamos um caminho de volta à casa (as “três tendas”). “Voltar à casa” é deixar transparecer aquilo que é mais nobre em nós; é reconhecer que somos plenitude que transborda, fonte inesgotável de sonhos, criatividade, inspirações...

Cair na conta de nossa condição de “filhos/as amados/as” equivale a reconhecer-nos como transfigura-dos(as). E é isso mesmo que se pode afirmar de todo ser humano: cada um(a) de nós é “filho(a) amado(a)”, nascido(a) daquela mesma Fonte e, ao mesmo tempo, transparência dela.

 

Nosso “eu profundo” é luminoso, transparente, simples, verdadeiro... Mas, para percebê-lo, é preciso nos “despertar” e viver ancorados em nossa verdadeira identidade.

É preciso ir para além do “ego superficial”, uma ilusão que acreditávamos ser nossa identidade e que nos fazia viver em função dele, alimentando impulsos de poder, vaidade, imposição...

No entanto, a Transfiguração de Jesus nos possibilita ter acesso a um “lugar” sempre estável, sólido e permanente, onde nos fazemos presentes diante da Presença inefável.

Da transfiguração interior à uma presença que trans-figura a realidade em que nos situamos. Não podemos recordar quem somos para permanecer em um “monte”, isolados e acomodados, mas para “descer” à vida cotidiana, com todos os seus conflitos, e viver ali o que “temos visto e ouvido”, a partir de uma atitude de bondade, compaixão e serviço.

“Transfiguração” desperta em nós um novo “olhar” para perceber, com mais nitidez e intensidade, os lugares por onde transitamos, uma nova disposição para dar sentido e valor às relações cotidianas, uma presença solidária para nos colocar no lugar do outro, uma nova sensibilidade para “ver” a Presença d’Aquele que se “deixa transparecer” em todos os “Tabores” da vida.

O monte da Transfiguração transforma as obscuridades humanas em caminhos de luz e esperança, o ódio em fraternidade, a divisão em vínculo ... É preciso transfigurar nossas relações humanas, rompendo o círculo da intolerância, do juízo rápido e da indiferença. Por que não pensar que é uma nobre maneira de viver? Uma vida, uma cultura, uma sociedade que não se transfigura, que não transcende a existência e seus conteúdos, se desumaniza.

 

Trans-figurar é deixar trans-parecer toda nossa riqueza interior. E isso não é fácil; normalmente cobrimos nossa verdade com máscaras ou com um “papel” que interpretamos. Vivemos uma quantidade de expe-riências rápidas, amontoadas, sem possibilidade de avaliação (ativismo, rotina, angústias, trabalho sem sentido; mundo fechado, sem horizontes, sem direção...)

cotidiano faz-se rotineiro, convencional e, não raro, carregado de desencanto.Frequentemente vive-mos o cotidiano com o anonimato que ele envolve; e isso nos des-figura, desumanizando-nos.

msotw9_temp0A luz da Transfiguração de Jesus nos des-vela (tira o véu) e ativa a coragem a olhar para além da “casca de nossa humanidade”, e deixar emergir nossa originalidade e nobreza que não se deixam revelar diante do espelho, mas só numa experiência da interioridade.

A transfiguração de Jesus é um convite a que possamos nos transfigurar e trans-figurar os outros e assim poder contemplar a beleza presente em cada um, muitas vezes escondida e que se revela de maneira um tanto quanto obscura.

Crer na Transfiguração é envolver-se no processo da transformação contínua da vida, esperando a transfiguração definitiva.

 

Texto bíblico:  Mc 9,2-10

 

Na oração:Por vezes somos levados a conceber a aventura espiritual como uma fuga

de nós mesmos, uma subida para outra região da atmosfera mais pura que o nosso dia-a-dia.

- “Não! Desça até o fundo de você mesmo! É dentro do seu próprio coração que Deus o espera”.

- A busca de Deus se assemelha mais a espeleologia do que ao alpinismo: tem mais de grutas que de cumes; mais de interioridade que de aparência, mais de “descida” que de “subida”.

- Diante da “trans-parência” de seu “eu profundo” você sente temores? resistências...? Quais? Por que?

- “Trans-figurar” compromete com a vida; você está disposto(a) a descer do seu “Tabor” para ser presença

inspiradora no seu meio?

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Atacar as reais causas da miséria

Por ocasião da realização da assembleia geral vicentina em Paris, para a celebração dos 15 anos de fundação da Sociedade de São Vicente de Paulo, em 1848, o confrade Antônio Frederico Ozanam, a pedido do Presidente Geral àquela altura (Adolphe Baudon), preparou um discurso para ser lido em tal cerimônia, no qual ele começa a apresentar seu pensamento social. Baudon encontrava-se em recuperação após receber um tiro, durante a Revolução Burguesa de 1848, na França, vindo a amputar uma de suas pernas.

No discurso, Ozanam aborda muitos temas. Ele não se esquece de reconhecer o apoio do clero para o crescimento da ação vicentina. Da mesma maneira, Ozanam endereça um elogio aos assessores espirituais das Conferências, considerando-os fundamentais no dia a dia da SSVP. Noutra parte do texto, Ozanam fala sobre a importância das contribuições econômicas das Conferências aos Conselhos, comentando que “quanto mais as doações crescem, mais as atividades vicentinas se multiplicam”, permitindo que, assim, mais pobres passassem a ser assistidos.

Ele enfatiza que as necessidades dos mais carentes são muitas, e que as contribuições financeiras são importantes para a manutenção dos serviços vicentinos.  O desemprego, a fome, o frio e outras carências são elencadas no discurso pois, segundo ele, a caridade praticada nas Conferências vai aliviar esses sofrimentos das pessoas. “Nas Conferências, aprendemos a exercitar o bem, e não poderia existir a falsa presunção ou qualquer aparente inferioridade dos assistidos”, enfatiza Ozanam.

Ozanam procura, nos parágrafos do discurso, transmitir uma mensagem aos novatos que estavam recém-ingressando na SSVP. Ele se preocupava em dar conselhos e fazer recomendações, refletindo sobre o papel social empreendido pelos confrades. Ele instigava aqueles jovens aspirantes com perguntas do tipo: “como aliviar a miséria sem remover suas causas?” ou “como regenerar o mundo e erradicar o mal?”. São indagações intrigantes que provocam, ainda hoje, nossa reflexão mais crítica.

Nosso principal fundador faz uma bela análise dos primeiros 15 anos da Sociedade de São Vicente de Paulo, focando também na importância da esmola. Ozanam foi contundente ao dizer que a esmola é importante e consiste numa ação que deveria ser praticada por todos. “A esmola não é um direito de ninguém, mas um dever para todos”, acentuou. Para ele, a justiça social se soma à caridade, e as pessoas que têm muito deveriam ser mais generosas com as que pouco ou nada têm. Na verdade, Ozanam prega que nós, vicentinos, seremos sempre “devedores dos pobres”.

É neste discurso que Ozanam proclama uma das frases mais célebres dele: “É muito pouco aliviar as tristezas dos indigentes. Devemos pôr as mãos nas raízes do mal e, por meio de sábias reformas, diminuir as causas reais da miséria do povo”. Aqui, ele deixa bem claro que somente a caridade não resolveria os males sociais, mas que a justiça social deveria ser acionada para atacar as causas da miséria. Fica bem clara a defesa que Ozanam faz da justiça social, antecipando-se à Doutrina Social da Igreja.

Ao final do texto, Ozanam compara a SSVP de 1833 com a de 1848, e faz questão de dizer que a entidade é a mesma, com seu espírito primitivo mantido. Ele rechaçou as divisões, as contendas e as discórdias que pudessem atingir a entidade. Ozanam também reforçou a necessidade da visita semanal domiciliar e pediu orações pelo clero. São orientações que nós, vicentinos do século XXI, também devemos seguir.

Autor: Renato Lima, 16º Presidente Geral da SSVP

Fonte: asvp.org.br

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO AOS FIÉIS BRASILEIROS POR OCASIÃO DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2021

Mensagem aos fiéis brasileiros por ocasião da Campanha da Fraternidade 2021 (17 de fevereiro de 2021)

Queridos irmãos e irmãs do Brasil!

Com o início da Quaresma, somos convidados a um tempo de intensa reflexão e revisão de nossas vidas. O Senhor Jesus, que nos convida a caminhar com Ele pelo deserto rumo à vitória pascal sobre o pecado e a morte, faz-se peregrino conosco também nestes tempos de pandemia. Ele nos convoca e convida a orar pelos que morreram, a bendizer pelo serviço abnegado de tantos profissionais da saúde e a estimular a solidariedade entre as pessoas de boa vontade. Convoca-nos a cuidarmos de nós mesmos, de nossa saúde, e a nos preocuparmos uns pelos outros, como nos ensina na parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37). Precisamos vencer a pandemia e nós o faremos à medida em que formos capazes de superar as divisões e nos unirmos em torno da vida. Como indiquei na recente Encíclica Fratelli tutti, «passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta» (n. 35). Para que isso não ocorra, a Quaresma nos é de grande auxílio, pois nos chama à conversão através da oração, do jejum e da esmola.

Como é tradição há várias décadas, a Igreja no Brasil promove a Campanha da Fraternidade, como um auxílio concreto para a vivência deste tempo de preparação para a Páscoa. Neste ano de 2021, com o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, os fiéis são convidados a «sentar-se a escutar o outro» e, assim, superar os obstáculos de um mundo que é muitas vezes «um mundo surdo». De fato, quando nos dispomos ao diálogo, estabelecemos «um paradigma de atitude receptiva, de quem supera o narcisismo e acolhe o outro» (Ibidem, n. 48). E, na base desta renovada cultura do diálogo está Jesus que, como ensina o lema da Campanha deste ano, «é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade» (Ef 2,14).

Por outro lado, ao promover o diálogo como compromisso de amor, a Campanha da Fraternidade lembra que são os cristãos os primeiros a ter que dar exemplo, começando pela prática do diálogo ecumênico. Certos de que «devemos sempre lembrar-nos de que somos peregrinos, e peregrinamos juntos», no diálogo ecumênico podemos verdadeiramente «abrir o coração ao companheiro de estrada sem medos nem desconfianças, e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus» (Exort. Apost. Evangelii gaudium, n. 244). É, pois, motivo de esperança, o fato de que este ano, pela quinta vez, a Campanha da Fraternidade seja realizada com as Igrejas que fazem parte do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC).

Desse modo, os cristãos brasileiros, na fidelidade ao único Senhor Jesus que nos deixou o mandamento de nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou (cf. Jo 13,34) e partindo «do reconhecimento do valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus, oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade» (Carta Enc. Fratelli tutti, n. 271). A fecundidade do nosso testemunho dependerá também de nossa capacidade de dialogar, encontrar pontos de união e os traduzir em ações em favor da vida, de modo especial, a vida dos mais vulneráveis.

Desejando a graça de uma frutuosa Campanha da Fraternidade Ecumênica, envio a todos e cada um a Bênção Apostólica, pedindo que nunca deixem de rezar por mim.

Roma, São João de Latrão, 17 de fevereiro de 2021.

Francisco


Fonte: www.vatican.va

Uma perspectiva vicentina sobre a Campanha da Fraternidade 2021

Desde 1964, a Igreja no Brasil celebra a Campanha da Fraternidade. Destas mais de cinquenta campanhas, neste ano, celebraremos a V Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE 2021), cujo tema é “Fraternidade e Diálogo: Compromisso de Amor”, e o lema “Cristo é a nossa Paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14a). A Quaresma é um tempo forte na nossa caminhada de fé. É também este tempo forte em nossa vida de discípulos-missionários de Jesus, em nossa missão vicentina e eclesial. Por conseguinte, preparamo-nos para celebrar a Páscoa do Senhor, a vitória da vida sobre morte! Mas antes, é necessário, mais uma vez, colocarmo-nos num caminho de conversão integral: pessoal, eclesial e social. A CFE 2021 é um meio necessário para esse processo. Este tempo litúrgico se abre com o convite: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. Essa conversão só será legítima se for profunda; na medida em que, tocados pela graça de Deus, renovando nossa experiência do encontro pessoal com Cristo, “rasgarmos os nossos corações e não a vestes” (Jl 2,13). Conversão é processo constante, é mudança de perspectiva, de mentalidade, é deixar morrer a velha humanidade e renascer com Cristo, como uma nova criatura. É ressignificar o nosso olhar e a nossa postura sobre o mundo e o outro, na perspectiva do Mistério Pascal de Cristo, ou seja, é “revestir-se de Cristo” (Rm 13,18).
O texto-base deste ano “convida as comunidades de fé a realizarem o caminho de Emaús” (CFE 18) fazendo quatro paradas, a saber, a primeira é “‘o Ver’- um convite para conversarmos sobre os acontecimentos mais recentes que marcam nossa história e observar se as alternativas e saídas que identificamos são opções coerentes com a Boa- Nova do Evangelho” (CFE 19); a segunda é “‘o Julgar’- é a possiblidade de, a partir da inspiração bíblica, lançar luzes sobre o contexto vivido por nós.” (CFE 20); a terceira é ‘o Agir’- indica “exemplos para derrubar os muros das divisões” (CFE 21); e a quarta é “‘o Celebrar’- momento de afirmar que a diversidade presente na Criação não é negativa, mas é a revelação da imensa e irrestrita amorosidade de Deus para a humanidade” (CFE 22). Neste nosso pequeno artigo, consideraremos alguns elementos do texto-base da CFE 2021, na perspectiva do nosso carisma. O que aqui colocarmos, não é conclusivo, trata-se de lampejos que podem e devem ser enriquecidos com a vivência pessoal, vicentina e eclesial de cada um que lê-lo.
A Paixão e a morte de Jesus, sem a experiência pascal, traz aos cristãos de outrora e aos de hoje sentimentos de desânimo. Assim foi com os discípulos de Emaús que, ao comtemplarem o seu mestre morto no madeiro, viram-se obrigados a voltar para Emaús (Lc 24,13). Esse percurso de retorno não é algo meramente geográfico. É uma forma de expressar sentimentos e motivos, que tiram sonhos e perspectivas, que impedem de prosseguir, impondo a necessidade de voltar para o mesmo lugar, abandonando um processo que aparentemente fracassou.
O ano de 2020 foi de muitas cruzes, mortes e desânimo, devido a pandemia da COVID-19 e agravado pelo contexto sócio-político-econômico, no qual estamos inseridos. Presenciamos milhares de mortes e o colapso no sistema de saúde. Estamos fartos dos discursos negacionistas. Presenciamos a violência, o racismo, o feminicídio, o desemprego e a pobreza aumentarem. Toda essa realidade que nos afeta e nos distancia também trouxe e acentuou novas divisões, devido aos “muitos muros construídos: do racismo, da desigualdade econômica, da dificuldade de conviver com opiniões diferentes, de desrespeito e ataques às instituições” (CFE 42). Prova disso é a “contra campanha”, que insurge nas redes sociais se opondo à CFE 2021, desmerecendo o CONIC, desqualificando a autoridade do magistério, a de nossos bispos e a da CNBB.
Se todo este contexto nos deixa atônitos, desanimados, tentados a desistir, não poucas vezes, o nosso coração também arde (Lc 24,32). Ficamos inquietos e desejosos de continuar anunciando Jesus Cristo, o evangelizador dos pobres, seu projeto de amor, fraternidade, onde, para além da cruz, da dor, da morte, da violência, do preconceito, da pobreza está a vida nova, plena e digna de sua Páscoa. A Ressurreição se torna esse grande horizonte e meta que norteia a nossa caminhada, já no aqui da história humana. A CFE 2021 denuncia, chamando de “muros”, as várias estruturas que fortalecem a cultura do ódio, da intolerância e da injustiça que fere e mata tantos irmãos e irmãs, sobretudo os mais pobres. Propõe um caminho de fraternidade e de diálogo ecumênico, de convivência interreligiosa, de superação da violência, mormente contra a mulher, por meio das missões ecumênicas e da consciência urgente do cuidado com a casa comum que constrói pontes. Temos um verdadeiro manual de mudança sistêmica, ou de estruturas, que é a nossa metodologia, como Família Vicentina, para a evangelização e a promoção dos pobres.
Como então assumir, percorrer e realizar este itinerário que nos é proposto pela CFE 2021, na perspectiva vicentina? É tempo de renovar nossa vida, vocação-cristã-vicentina, fortalecer nossas bases, nossos grupos, por meio da oração, da formação integral e permanente, abrir nossas portas para que mais pessoas possam somar conosco e compartilhar o ideal cristão-vicentino. É tempo também de planejar. Para tal, precisamos ter um bom conhecimento da conjuntura atual, de suas forças de resistência e de crescimento. Na composição do nosso plano de ação, poderemos propor ou participar de projetos de promoção humana, sobretudo dos pobres, em vista da realização do nosso carisma. Projetos que podem ser ecumênicos, sem dúvidas, pois há várias igrejas e instituições que comungam da nossa mesma perspectiva missionária. É tempo de superar divisões, preconceitos e de nos abrirmos ao diálogo e à alteridade, que encontra na diversidade a força potente que motiva a construção de pontes e de caminhos, para que o Evangelho se realize em nossa história. Celebremos, então, a CFE 2021, percorrendo este caminho quaresmal de conversão rumo à Páscoa do Senhor.

Pe. Hugo Silva Barcelos, CM

Fonte: https://www.pbcm.org.br/artigo/uma-perspectiva-vicentina-sobre-a-campanha-da-fraternidade-2021-16022021-093828